Curiosidade: o que é TDAH?
Déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)
Mario Louzã é médico,
coordenador do PRODATH, Projeto de Déficit de Atenção e Hiperatividade
do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de
São Paulo.
"Meu filho não para quieto nem para comer. Desde o
instante em que se levanta até a hora em que vai dormir, anda de um lado
para o outro, pula, sobe nos móveis, derruba as cadeiras que encontra
pelo caminho, corre pela casa. Seu quarto é um verdadeiro caos. Espalha
roupas e objetos, mesmo aqueles que não está usando no momento, revira
as gavetas, não fecha as portas dos armários.
No colégio, então, é um terror. Sua agitação incomoda os colegas e
prejudica os relacionamentos. A desatenção e a inquietude interferem
também no rendimento escolar. Não termina as lições, comete erros
grosseiros nos exercícios e redações, esquece conteúdos que dominava
satisfatoriamente um dia antes, rasga a folha da prova de tantas vezes
que apaga as respostas."
Geralmente, essas queixas caracterizam os portadores do transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), uma doença que acomete as
crianças, mas que pode prosseguir pela a vida adulta, comprometendo o
desempenho profissional, familiar e afetivo dessas pessoas.
Sintomas e diagnóstico
Drauzio – Em geral, as crianças são travessas e desatentas.
Como se estabelece o limite entre a desatenção e inquietude próprias da
idade e o comportamento potencialmente patológico?
Mario Louzã – À medida que a criança vai crescendo,
aumenta o nível de exigência sobre ela. No entanto, o típico é o
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ficar evidente
quando ela vai para a escola. Normalmente, a criança consegue permanecer
sentada na carteira da sala de aula, prestar atenção no que a
professora fala, tomar nota, fazer exercícios e aprender as lições. A
hiperativa, no entanto, com déficit de atenção não para quieta e comete
erros por distração. Muitas vezes, fica evidente que ela sabe a matéria,
mas não acerta as repostas, porque está distraída.
Existem casos mais leves da doença que eventualmente podem ser
contornados apenas com medidas pedagógicas e há os mais graves que
exigem tratamento medicamentoso.
Drauzio – Quem percebe primeiro o problema? Os pais em casa ou a professora na escola?
Mario Louzã – Para fazer o diagnóstico de déficit de
atenção e hiperatividade, os sintomas precisam manifestar-se em dois
ambientes distintos. Em geral, eles ocorrem em casa e na escola. A mãe,
que geralmente acompanha a criança nos deveres de casa, percebe a
agitação e a demora para fazer as tarefas. A professora nota o mesmo
comportamento na escola. Por isso, pais e professores são bons
informantes para ajudar o médico que observa a criança no consultório.
Drauzio – O déficit de atenção sempre começa na infância ou pode instalar-se mais tardiamente?
Mario Louzã – Por definição, a criança já nasce com a
doença, tanto que para fazer o diagnóstico em outras fases da vida é
preciso investigar como foi a evolução da enfermidade na infância.
O TDAH jamais se inicia quando o indivíduo é adulto. Ao contrário. Em
geral, evolui com melhora dos sintomas, tanto que até alguns anos atrás
acreditava-se que desaparecia com o crescimento. Hoje se sabe que,
apesar de diminuírem o número e a intensidade dos sintomas nos
adolescentes e adultos, parte das crianças continua com o problema por
toda a vida e apresenta as dificuldades decorrentes da doença.
É importante lembrar que, quando se fala hiperatividade, estamos nos
referido a dois sintomas agregados: a hiperatividade propriamente dita e
a impulsividade.
Drauzio – Você poderia explicar o que isso significa?
Mario Louzã – Basicamente na criança, a
hiperatividade está ligada à motricidade, aos movimentos. É a criança
agitada, que não para quieta um segundo sequer, com o bicho carpinteiro,
como dizem as pessoas. Já a impulsividade se caracteriza pelo agir sem
pensar. Crianças hiperativas se machucam mais, sofrem mais acidentes,
porque são intempestivas. Não têm paciência nenhuma, interrompem quem
está falando, intrometem-se na conversa alheia. Esse é um sintoma que se
manifesta também nos adolescentes e adultos.
Drauzio – Vocês falam déficit de atenção/hiperatividade. Essas duas coisas estão sempre associadas?
Mario Louzã – A síndrome tem esses dois sintomas
básicos. Pode predominar um deles, mas em boa parte dos casos tanto o
déficit de atenção quanto a hiperatividade estão presentes.
TDAH nos adultos
Drauzio – Você recebe um adulto que se queixa de ser muito
distraído e que isso está atrapalhando sua vida. No entanto, o problema
passou despercebido na infância e adolescência. Como você encaminha o
diagnóstico nesse caso?
Mario Louzã – Essa é uma situação bastante comum. Há
pessoas com déficit de atenção e hiperatividade que passam a vida toda
sem terem sido diagnosticadas. Dá para imaginar quantos obstáculos
precisaram vencer para chegar à universidade, por exemplo?
Na verdade, as queixas dos adultos são as mesmas das crianças:
distração, dificuldade para concentrar-se, baixo rendimento no trabalho,
impulsividade. Agem sem pensar e depois se arrependem do que fizeram.
O primeiro passo para o diagnóstico nessa faixa de idade é levantar
uma história e tentar obter o máximo possível de dados sobre a infância
da pessoa. É importante saber se, na escola, a professora reclamava de
sua indisciplina, se era desorganizada, apresentava lições mal feitas,
tinha os cadernos soltos, bagunçados e o material em desordem.
Nem sempre é fácil conseguir tais informações. Às vezes, a própria
pessoa não tem lembrança clara de como eram as coisas. Uma saída é
recorrer a informantes que lhe sejam próximos. Se os pais estão vivos,
podem ser fonte importante de consulta.
Para o diagnóstico, levam-se em conta também as queixas atuais: o
trabalho que não rende, a dificuldade para concentrar-se na leitura de
um texto mais longo ou realizar as tarefas do dia a dia, o incômodo por
ficar sentada numa reunião mais prolongada ou monótona, a dificuldade
para assistir a uma aula na faculdade ou a um curso que exija
concentração e permanência numa posição constante. Tudo isso somado ao
fato de que se esquece dos compromissos e de pagar as contas. Delinear
esse conjunto de dados possibilita reconhecer um quadro de déficit de
atenção e hiperatividade no adulto.
Drauzio – Esses dados que você citou são queixas que se ouvem
muito no mundo moderno. As pessoas reclamam que não rendem no trabalho,
não se concentram porque os estímulos são muitos e não têm paciência
para reuniões prolongadas. Como profissional, o que lhe permite
estabelecer a diferença entre o comportamento que resulta das
atribulações da vida e o que é realmente patológico?
Mario Louzã – Existem de fato
alguns casos que estão no limite entre o que seria, digamos, o esperado
para a população adulta no momento e o patológico que exige tratamento.
Vale destacar que, no adulto, a dificuldade e as queixas vêm da
infância. Mais velho, quando o quadro da doença é bem definido, ele se
compara com seus pares e percebe que os colegas fazem o mesmo trabalho
na metade do tempo, não esquecem a maioria dos compromissos, não
atrasam. Já ele é um atrasado contumaz, um desorganizado. A conta está
em cima da mesa, mas ele se esquece de levá-la e perde o prazo do
pagamento. Não são coisas que acontecem de vez em quando. Acontecem
sempre e passam a sensação de fracasso constante, de rendimento inferior
à real capacidade de produzir.
Papel da genética
Drauzio – Há maior concentração de casos desse transtorno em determinadas famílias?
Mario Louzã – A genética tem papel importante na
incidência do TDAH, embora sozinha não seja suficiente para explicar a
doença. Quando se rastreia a família de um paciente, é muito comum
encontrar outros casos de déficit de atenção e hiperatividade. Às vezes,
enquanto fazemos o diagnóstico de uma criança, os pais percebem que
também foram ou são portadores daqueles sintomas e os prejuízos que
podem ter causado em suas vidas.
Drauzio – Além da genética, quais são os outros fatores implicados?
Mario Louzã – Os fatores ambientais são menos
conhecidos. Imagina-se serem fatores que atuem de alguma forma no
sistema nervoso central, no cérebro, na fase de desenvolvimento
embrionário ou talvez no início da vida. No entanto, eles não foram
claramente definidos.
Drauzio – É possível estabelecer algum tipo de alteração morfológica no cérebro associada ao TDAH?
Mario Louzã – Existem trabalhos que mostram
diferenças em áreas do cérebro nas crianças com TDAH, se comparadas com
um grupo de crianças sem a doença. Entretanto, é importante salientar
que o diagnóstico é eminentemente clínico, baseado nas queixas da pessoa
e em sua história de vida. Exames radiológicos, raios X, tomografia ou
eletroencefalograma (exame pedido com muita frequência) não ajudam a
esclarecer o diagnóstico, seja em crianças, seja em adultos.
Associação com outras doenças
Drauzio – O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
pode estar associado a outros distúrbios psiquiátricos como depressão
ou transtorno bipolar?
Mario Louzã – Pode. É típico do TDAH estar associado
a outras doenças qualquer que seja a faixa de idade do paciente. Nas
crianças, além da ansiedade, aparecem os transtornos de conduta que não
decorrem só da distração. São dificuldades de aprendizado específicas
como dislexia (dificuldade para compreender o que lê), disgrafia
(dificuldade para escrever), discalculia (dificuldade para fazer
cálculos).
Nos adolescentes, o problema maior é a tendência ao abuso de drogas.
Não existe uma explicação clara para o fato. Os estudos mostram, porém,
que a partir da adolescência o uso de drogas nos portadores de TDAH é
mais frequente, se comparados com os indivíduos sadios.
Drauzio – Algum tipo específico de droga?
Mario Louzã – Não existe especificidade. A tendência é ao abuso de drogas em geral.
Drauzio – Imaginei que talvez a maconha fosse a droga de
predileção desses pacientes, porque a cocaína os deixaria mais agitados
ainda.
Mario Louzã – Por estranho que pareça, o consumo de
cocaína é comum entre eles. Sob a ação da droga, ficam mais atentos,
mais concentrados. Aí, entra um aspecto interessante dessa doença. Os
estimulantes diminuem a hiperatividade e a desatenção tanto que o
tratamento é feito com uma medicação que contenha esse tipo de
substância.
Tratamento
Drauzio – Você recebe um adulto muito agitado, com
dificuldade de concentração, baixo rendimento no trabalho e a cabeça
girando com múltiplos problemas. Ele conta que isso acontece desde a
infância. Qual o primeiro passo para dar início ao tratamento?
Mario Louzã – Fechado o diagnóstico de TDAH, é
preciso examinar se não existem outras doenças associadas. Nos adultos,
as mais frequentes são ansiedade e depressão e o tratamento vai depender
de como esses fatores combinam.
Nessa faixa de idade, o tratamento medicamentoso associado à
abordagem psicoterápica ajuda a controlar a doença. O mais comum é
prescrever psicoestimulantes (no Brasil há um único medicamento com essa
característica) e alguns antidepressivos.
Na infância, o tratamento é mais complexo e envolve frequentemente
equipe multidisciplinar, pois requer também a aplicação de medidas
pedagógicas e comportamentais.
Drauzio – A medicação é usada por quanto tempo?
Mario Louzã – Se o paciente é uma criança, o ideal é
acompanhar a evolução do caso para ver se há melhora com o crescimento.
Estudos mostram que até a idade adulta os sintomas diminuem e que, em
metade dos portadores de TDAH, desaparecem espontaneamente. Se
persistirem no adulto, provavelmente o quadro estará estabilizado.
Como não faz muito tempo que os adultos portadores de TDAH estão
sendo estudados, temos pouca informação de como evoluem até os 70 ou 80
anos. No entanto, a hipótese é que os sintomas continuam sempre os
mesmos por toda a vida. Desse modo, pode-se afirmar que o tratamento
deve ser mantido indefinidamente.
Drauzio – Os medicamentos disponíveis para TDAH provocam efeitos colaterais?
Mario Louzã – De maneira geral, os efeitos
colaterais são leves e ocorrem no início do tratamento. Depois, o
organismo se ajusta e é boa a tolerância aos medicamentos.
Drauzio – O paciente nota logo os efeitos benéficos dos medicamentos?
Mario Louzã – Isso depende do medicamento que está
sendo usado. Geralmente, em algumas semanas, o paciente percebe melhora
na atenção e na capacidade de ficar sentado. Percebe que passou a
produzir melhor no trabalho e a não cometer os erros que cometia antes.
TDAH é uma doença psiquiátrica cujo tratamento dá resultados bastante
satisfatórios nas crianças, adolescentes e adultos.
Drauzio – Não parece paradoxal tratar uma pessoa hiperativa com remédios psicoestimulantes?
Mario Louzã – Soa paradoxal, mas atende ao que se
supõe ser o mecanismo da doença: a falta de uma ação inibitória do
sistema nervoso central sobre algumas áreas. Portanto, quando se
estimula a inibição, aumenta o controle da atenção, da atividade motora e
da impulsividade.
Drauzio – Você disse que o tratamento envolve uso de
medicamentos e psicoterapia. Qual é o objetivo da psicoterapia nesses
casos?
Mario Louzã – Nos adultos, a psicoterapia não visa
exatamente à doença, mas à pessoa que tem déficit de atenção e
hiperatividade. O que acontece frequentemente é que sua história de vida
é marcada por insucessos acumulados ao longo dos anos. São falhas no
dia a dia, mau desempenho escolar, repetência, suspensões. Depois, vêm
problemas no trabalho e na organização das atividades. A longo prazo,
isso gera um sentimento de fracasso muito grande, faz cair a autoestima e
pode trazer dificuldades para lidar com situações emocionais.
Incidência nos dois sexos
Drauzio – Como é a distribuição da doença entre os gêneros, ou seja, entre homens e mulheres?
Mario Louzã – Pode-se dizer que, na infância, há
prevalência dos meninos sobre as meninas. No entanto há os que discutem
essa afirmação, alegando que TDAH fica mais evidente nos meninos, porque
eles são naturalmente mais hiperativos e incomodam mais do que as
garotas. Argumentam, ainda, que elas tendem mais à distração, sem
apresentar o componente da hiperatividade. Desse modo, nelas, o risco de
que o problema passe despercebido é maior.
O fato é que estudos epidemiológicos feitos em clínicas que recebem
esses pacientes revelam a prevalência um pouco maior da doença nos
meninos. Quando chega a idade adulta, porém, a incidência de TDAH é
aparentemente igual nos dois sexos.
Considerações finais
Drauzio – Que dicas você dá aos portadores de TDAH?
Mario Louzã – Muitas vezes, as pessoas não
reconhecem suas falhas de atenção como uma doença passível de
tratamento. Elas as incorporam como características de personalidade,
como seu jeitão de ser. Admitir que possam ser sintomas de uma doença é
o primeiro passo para buscar ajuda e tratamento e contornar o problema.
Além disso, é fundamental criar estratégias para compensar a
desorganização natural e a falta de atenção dessas pessoas. Quanto mais
rotineiras e sistemáticas forem, melhor será seu desempenho nas
diferentes áreas.
De modo geral, os adultos com déficit de atenção e hiperatividade já
desenvolveram algumas técnicas para lidar com as próprias dificuldades.
Como sabem que são distraídos, anotam com cuidado os compromissos na
agenda, criam hábitos como deixar os objetos sempre no mesmo lugar e
estabelecem determinadas rotinas na vida.
Em relação às crianças, desenvolver essas atitudes comportamentais
irá ajudá-las a organizar-se melhor. Outra dica importante é reconhecer
os danos à autoestima que a doença provocou e procurar uma abordagem
psicológica.
Fonte:http://drauziovarella.com.br/crianca-2/deficit-de-atencao-e-hiperatividade-tdah/
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